JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE
Autos nº : 2000.30.00.001731-0
Classe : 07300 – ação de improbidade administrativa
Requerente: Ministério Público Federal
Litisconsorte Ativo: Município de Capixaba
Réus: Liberato Ribeiro da Silva
William César de Oliveira São Geraldo
Gaspar dos Reis Caixeta
S E N T E N Ç A
I
O Ministério Público Federal propôs ação de
improbidade em desfavor de Liberato Ribeiro da Silva, ex-prefeito do
município de Capixaba, William César de Oliveira São Geraldo, empresário
e Gaspar dos Reis Caixeta, gerente, atribuindo-lhes a prática de ato de
improbidade previsto no art. 10, XII da Lei 8.429/92.
2. Narra a inicial que no mês de setembro de 1996 o
então prefeito de Capixaba, Liberato Ribeiro, realizou tomada de preço
7/96 para adquirir, com recursos do Fundo de Amparo ao Estudante –
FAE, veículo tipo ônibus com 45 assentos, vencendo o certame a empresa
Falcão Transporte e Turismo Ltda, firmando contrato para entregar ônibus
com ano de fabricação de 1992 pelo valor de R$ 60.208,17. Acrescenta a
inicial que com a participação dolosa do então prefeito e ora réu, Liberato
Ribeiro, e dos demais réus, foi entregue ônibus com ano de fabricação
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diverso do estipulado (1989), em péssimo estado de conservação e que
houve superfaturamento, pois o veículo foi avaliado em R$ 33.000,00.
3. A ação veio lastreada com cópia do procedimento de
licitação, contrato, cópia do convênio, comprovante de pagamento etc (fls.
8/117).
4. WILLIAN CÉSAR, citado, contestou (fls. 132/143),
alegando, em síntese, que, atendendo a pedido de Rui Antônio Barros
Marques, proprietário da empresa Só ônibus, cedeu o nome da empresa de
que é sócio, Falcão Transporte e Turismo Ltda, para que participasse de
tomada de preços junto à Prefeitura de Capixaba, outorgando, para tanto,
procuração a Gaspar dos Reis Caixeta. Afirmou que após outorgar a
procuração não mais acompanhou os desdobramentos, somente vindo a
saber dos fatos relativos à tomada de preço 7/96 quando depôs à Polícia
Federal.
5. Juntou documentos de fls. 146/162.
6. O Município de Capixaba manifestou interesse em
participar da lide na condição de litisconsorte ativo (fl. 163).
7. LIBERATO RIBEIRO DA SILVA, citado (fl. 167),
não respondeu, pelo que decretada sua revelia (fl. 168).
8. GASPAR DOS REIS CAIXETA contestou (fl.
231/238, alegando ter trabalhado no Acre até 1997 como gerente de
operações da empresa Aquiry. Disse que o ônibus foi adquirido da empresa
Falcão, porque a empresa Só ônibus, de propriedade de Rui Marques, estava
com a documentação irregular.
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9. Afirmou que sua participação se resumiu em fazer as
propostas para licitação em nome das empresas Falcão e Só ônibus, de que
era procurador, e que dividiu a comissão advinda da venda do ônibus com
Reginaldo, proprietário da empresa vencedora. Esclareceu ainda que
Reginaldo entregou R$ 22.000,00 ao ex-Prefeito e ora réu Liberato, ao
fundamento de que necessitava para comprar um barco e uma kombi e não
havia tempo, segundo o ex-prefeito, para realizar nova licitação.
10. Ao final pleiteou a improcedência da ação pela
ausência de dolo, pois agiu de boa-fé. Juntou os documentos de fls.
240/243.
11. Depoimento pessoal de Gaspar dos Reis Caixeta (fl.
300/301).
12. Decisão declinando da competência ao TRF 1 (fl.
317).
13. Testemunhas inquiridas: fls. 390/393.
14. Alegações finais pelo MPF (fl. 407/410), pugnando
pelo acolhimento integral dos pedidos contidos na inicial.
15. Decisão de fl. 422 pela qual o TRF 1 declina da
competência em favor deste Juízo.
16. Intimados os requeridos para apresentação de
memoriais (fl.426), somente Liberato Ribeiro apresentou alegações finais,
nas quais pugnou pela improcedência desta ação de improbidade (fls.
429/433).
17. É o relatório.
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II
18. Anote-se, de logo, que esta ação, proposta em
24.8.2000, teve seu trâmite retardado em razão da demora do Poder
Judiciário em decidir acerca da inconstitucionalidade do disposto no art.
84, §§ 1 e 2º, com a redação dada pela Lei 10.628/02, que instituiu
prerrogativa de foro aos agentes públicos mesmo depois de se afastarem
das respectivas funções, fazendo com que esta ação fosse encaminhada ao
TRF 1 (fl. 317) em fevereiro de 2003 e, posteriormente, retornasse a este
Juízo em outubro/2005, após decisão, pelo STF, das ADI’s 2.797/DF e
2.860/DF, que reconheceu a inconstitucionalidade daqueles dispositivos.
19. Feito este esclarecimento, aprecio a lide.
20. O MPF atribui aos requeridos a prática de ato
ímprobo consistente na venda e entrega de ônibus em péssimo estado de
conservação, de data de fabricação diversa da contratada e a preço
superfaturado.
21. Concluída a instrução, verificou-se que os fatos
ocorreram de modo mais grave do que a descrição do MPF contida na
inicial. Com efeito, restou demonstrado que os réus frustraram a licitação
mediante conluio e, a rigor, não houve licitação, disputa, mas mero
arremedo de licitação, como bem descreveram os réus GASPAR e
WILLIAM nas respectivas contestações (fls. 132/143 e 231/238,
respectivamente).
22. É emblemático o depoimento de GASPAR DOS
REIS:
...no final do ano de 1996, foi procurado pelo
Sr. Reginaldo Cavalcante, gerente de operações
da empresa de transporte Acreana, o qual lhe
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consultou se tinha conhecimento da existência de
algum ônibus que atendia as exigências da
licitação promovida pelo Município de
Capixaba/AC, ao que respondeu afirmativamente.
Por intermédio do Sr. Rui Antonio Marques, dono
da empresa Só ônibus, de Goiânia, conseguiu um
ônibus no valor de R$ 28.000,00, do qual foi
deduzida a cifra de R$ 10.000,00 a título de
comissão; que foi combinado o valor de R$
60.000,00, que foi a verba destinada pelo MEC e
deste valor o depoente teria que devolver a
diferença de R$ 22.000,00 para o prefeito e mais
dez mil de comissão.
23. Este relato é resumo das provas contidas nos autos e,
em síntese, descreve i) o conluio entre os participantes da licitação e o
agente público para fraudar a licitação e obter lucro fácil; ii) o
superfaturamento, dado que parte (R$ 32.000,00) significativa do valor
acordado destinava-se ao pagamento da “comissão” dos empresários que
participaram da fraude e ao “pagamento” da cota do prefeito; iii) que o réu
GASPAR participou ativamente da fraude, como igualmente foi admitido
na contestação de fl. 235: “a única participação do réu Gaspar dos Reis
Caixeta, no caso da venda do ônibus, foi fazer as propostas para licitação
em nome das empresas Falcão e Só ônibus, de Goiânia, porque seu
procurador”.
24. Enfatize-se que a prova da fraude não se lastreia
apenas nos relatos dos implicados, mas é fartamente corroborada pela
prova documental: a “licitação” foi solicitada pelo prefeito dia 20.9.96 (fl.
38) à comissão de licitação e no mesmo dia 20.9.96 deu-se o edital,
julgamento e homologação, como se depreende da ata de julgamento de fl.
44. É índice da confiança na impunidade, a circunstância de que houve
proposta anterior ao próprio edital (proposta da empresa Só ônibus, de fl.
43), em interessante caso de premonição ou flagrante corrupção de quem
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sabia, com antecedência, de que dali a dois dias seria publicado edital para
aquisição de ônibus.
25. A declaração do membro da “comissão de licitação”
faz cintilar o pouco caso do réu e ex-prefeito LIBERATO com a probidade
pública e a legalidade:
...sempre que chegava convênio a 1ª preocupação do exprefeito
era efetuar o pagamento sem qualquer preocupação
com o processo licitatório, sendo que muitas vezes se
efetuava o pagamento e depois se montava o processo de
licitação e que o mesmo muitas vezes trazia rascunhado
todo processo... (fl. 98).
26. A completa inobservância do rito previsto para a
licitação na modalidade de tomada de preço, o ajuste prévio, o repasse
posterior de verbas desviadas demonstram exaustivamente as improbidades
atribuídas na inicial aos réus. Na realidade, a inicial foi omissa em relação
aos outros participantes das fraude (Reginaldo Cavalcante, Rui Antonio
Marques) e que deveriam, tanto quanto os requeridos, responderem pelos
atos ilícitos praticados.
III
27. Com estas razões acolho o pedido contido nesta ação
de improbidade para impor as seguintes sanções aos requeridos:
a) LIBERATO RIBEIRO DA SILVA enquanto agente público
foi o responsável direto pela improbidade, realizando as condutas previstas
nos artigos 10, V, VIII e XII da lei 8.429/92 ao frustrar a licitação e se
apropriando de recursos públicos. Imponho-lhe as penas i) de
ressarcimento do dano causado ao erário no valor de R$ 60.208,17,
corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora no percentual de
0,5% ao mês, solidariamente com os demais réus; ii) suspensão dos direitos
políticos pelo prazo de 8 (oito) anos, a contar do trânsito em julgado desta
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sentença; iii) multa no valor idêntico ao dano causado ao erário; e iv)
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
5 cinco anos, contados do trânsito em julgado desta decisão.
b) GASPAR DOS REIS CAIXETA concretizou a fraude
“representando” duas empresas simultaneamente, obtendo, mediante tal
fraude, lucro, além de repassar ao ex-prefeito o produto da improbidade.
Imponho-lhe as penas de i) ressarcimento do dano causado ao erário no
valor de R$ 60.208,17, solidariamente com os demais réus, corrigido
monetariamente e acrescido de juros de mora no percentual de 0,5% ao
mês; ii) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos, a
contar do trânsito em julgado desta sentença; iii) multa no valor de R$
20.000,00 (vinte mil reais); e iv) proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de 5 cinco anos, contados do trânsito em
julgado desta decisão.
c) WILLIAM CÉSAR DE OLIVEIRA SÃO GERALDO
“cedeu” o nome de sua empresa para que participasse da fraude,
permitindo a frustração do processo licitatório. Imponho-lhe as penas de i)
ressarcimento do dano causado ao erário no valor de R$ 60.208,17,
solidariamente com os demais réus, corrigido monetariamente e acrescido
de juros de mora no percentual de 0,5% ao mês; ii) suspensão dos direitos
políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado
desta sentença; iii) multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e; iv)
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou
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incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
5 cinco anos, contados do trânsito em julgado desta decisão.
28. Custas pelos requeridos. Após o trânsito em julgado
oficie-se ao TRE, para providências do art. 15, V e 37, § 4º da Constituição
Federal.
29. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Rio Branco – Acre, 13 de novembro de 2006.
Jair Araújo Facundes
Juiz Federal
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